quarta-feira, 21 de novembro de 2012












Visagem





A brisa da manhã invadiu seu quarto. Quase ninguém na rua. Ninguém em casa além dela.
Desceu as escadas suavemente. O cheiro da manhã a entorpecia.
Saiu a caminhar. Cabelos soltos, sonhos leves, pele arrepiada.
Flutuando pelas ruas, não percebia os olhares atônitos. Gozava a manhã.
Andou até ter os cabelos umedecidos pelo suor, a camisola colada ao corpo...
Os olhares cada vez mais atônitos!
Novamente em casa, tomou um longo banho, pôs seus vinis na máxima altura, abriu as janelas e dançou. Sentia-se, então, menos só.
Chovia, quando abriu os olhos. Uma chuva cor de prata inundava seus olhos, iludia seus ouvidos...
Outra vez, as escadas, a porta, a rua...
Alguns guarda-chuvas davam o tom sério à manhã de prata, enquanto os olhares transpareciam prazer.
A manhã tornava-se bordada de renda.
De braços abertos, ela experimentava a vida trazida pelo novo dia. Os guarda-chuvas a emolduravam. Silenciosamente, destacam sua beleza.
Comprou flores, trocou os lençóis, cuidou do jardim. Mais tarde recitou seus poemas favoritos em alta voz diante do espelho. Riu e dançou. Era uma menina! Uma estudante travessa no seu quarto de segredos.
A manhã surpreendeu-a nua sob os lençóis bordados.
Um arrepio! Seus pés sentiram a aspereza da calçada. Ela vibrava. O contato era surpreendente. Arriscou mais um, mais outro. E passo a passo cruzou a praça sob olhares novos e antigos: emudecidos, estupefatos. Era linda!
Era menina, moleca, mulher. Nua! Envolta na densa neblina daquela manhã.
Tudo a contemplava.
Quando ele chegou de viagem, encontrou-a diferente. Sem amarras, sem medos, sem limites...
Encantou-se. Amou-a ainda mais. Pelas ruas, ostentava a mulher com um sorriso de canto a canto.
Os olhos da cidade agora se cruzavam, segredando o desejo de vê-lo novamente partir. Invejando-o cúmplices.