sexta-feira, 25 de junho de 2010

Encontros III




Cochichos, risinhos, olhares! Assim que chegou, provocou todos.
O sol escaldante da tarde de sábado, não a intimidou. O cardápio também não.
Afinal, estava muito quente para uma feijoada. Serviu-se de uma caipirinha, sentou-se perto do grupo de pagode, ficou à vontade. Alguns, menos educados, colocaram óculos escuros. Ela percebeu, mas não ligou. Junto com a caipirinha, comia uns torresminhos que o aniversariante lhe trouxera.

O mais novo amigo do aniversariante estava deslocado até então. Novo na cidade, aceitara o simpático convite na expectativa de conhecer pessoas. Viera transferido há uma semana. Tudo era absolutamente novo! Tímido, tentava sorrir e cumprimentar todos.

No íntimo, ela estava constrangida, mas não daria o braço a torcer. Arrependera-se de ter colocado o vestido, os sapatos, os acessórios. Exagerara. O amigo a convida para dançar. Ela adora pagode! Dá um show! As más línguas fingem que não veem.

Um raio de sol! Linda! Perfeita! “Que mulher é essa?” Pela primeira vez sente-se realmente animado na festa. Cria coragem e pede ao amigo que os apresente.
- Este é o Paulo. Ele veio do sul. Foi transferido para a filial daqui.
- Muito prazer! Carolina. Também trabalho na fábrica.
Como ele ainda não a tinha visto? Tudo bem que no trabalho ela não se vestisse desse jeito, mas mesmo assim...

A festa continua. Os comentários agora são outros. Já tem gente querendo aderir à moda ,à excêntrica combinação de cores.

Ninguém sabe. Sonhara com aquele visual há meses. Achara-o ridículo. Mandara fazer a roupa.  Seguira sua intuição. Funcionou! Agora tinha um par.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Outonal


Uma folha
Duas folhas
Várias folhas
Voam freneticamente
É outono.
Lua nova
Meia lua crescente
Lua cheia
Meia lua minguante
A nova:
Límpido céu de outono bordado de estrelas!

Frialdade





Dias curtos sobre as montanhas
Casacos coloridos nas ruas
Azul, cinza e dourado no céu.
É inverno multicor nos trópicos.

Saborosa fumaça nas mesas
Perfumes que abrem o paladar
Sopas, pizzas, fondues, chocolates
Inverno gastronômico nos trópicos

Acendem-se fogos nas lareiras
Vinhos, uísques, conhaques, cachaças
Inverno etílico nos trópicos

Aconchego de mantas nas camas
Mãos sensualmente se tocam
Muito prazer! É inverno nos trópicos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Encontros II

Ela acordou disposta! Uma fruta, iogurte desnatado, levedo de cerveja. Apanhou o cachorro de estimação e saiu para a caminhada habitual no calçadão. Seu companheiro inseparável, fielmente, ao lado.

A cabeça dele dói terrivelmente, na boca um gosto amargo. Sai da cama o mais rápido que consegue. Vomita. Torna a vomitar. Toma uma cerveja gelada para curar a ressaca. Algumas azeitonas ajudam. Com olhar piedoso, uma cadela acompanha tudo. Sempre ela! Somente ela!

O sol apenas começa a esquentar, a brisa da manhã torna a caminhada revigorante. Ao longe o mar. Perfeito: poucas pessoas, beleza ímpar. O cão também se delicia. Cheira tudo pelo caminho. Agita-se alegremente.

O sol lhe incomoda. Coloca os óculos escuros. Resolve sair para passear com sua fiel companheira. Só ela para tirá-lo de casa àquela hora. Sente-se péssimo. Exagerou. “Dane-se!” Estava aproveitando a vida. Um movimento mais brusco faz sua cabeça latejar. Admite, então: exagerou na dose! Precisa mudar, levar uma vida mais saudável. Sentado em um dos bancos do calçadão observa sua amiga brincando.

Um grito de mulher corta a, ainda silenciosa, manhã. Um belo cão corre pelo calçadão em sua direção, ou melhor, em direção à Sofia. A mulher repete o grito:
- Michael!
O cão para bruscamente. O homem pensa “Por que Michael?” Sofia esconde-se entre as pernas do dono. Michael é contido pela mulher.
- Assustou-se?
- Tive medo de que ele fosse para a avenida.
- Por que Michael?
- De Michael Jackson.
Risos.
- E ela como se chama?
- Sofia.
- Bonito!
- É.
- Acho que seu cão se encantou pela Sofia.
- Parece que sim.
- Quer tomar uma água de coco?
- Quero. Obrigada!

A manhã especialmente feita para eles, aos poucos, enche-se de outros personagens nos carros, no calçadão, na praia. A vida segue sem nenhum alarde. Os caminhos, vários. O deles, agora, um.

Encontros I





- Mais essa agora!
A chuva despencou sobre a cidade e surpreendeu a todos.
- De onde vem essa chuva? Agorinha mesmo o céu estava azulzinho!
Procurou abrigo sob a marquise onde dezenas de pessoas já se aglomeravam. Subitamente a chuva parou. Ninguém entendeu nada. Alguém começou a falar sobre o aquecimento global. Apressou-se em sair dali. Deu o primeiro passo e foi bruscamente detida.
- Cuidado! Vai arrancar o botão do paletó!
Não sabia como, mas sua écharpe havia se enroscado perigosamente num blazer ao lado. Ficou apreensiva temendo por seu lindo acessório importado. Delicadamente desfez o nó e saiu em direção à rua.

O homem atravessou a rua com os passos mais largos que podia dar em meio aquela multidão apressada. A porta giratória o irritou. No elevador, o ascensorista o cumprimenta. Responde com um grunhido. Gentilmente, o rapaz lhe informa que o botão está quase caindo.
- Maldição!
A secretária segura no ar o paletó e ouve a ordem para que dê um jeito na situação. O homem bate a porta.

A mulher está num elegantíssimo banheiro feminino. Diante do espelho respira fundo. Tenta em vão se acalmar. Ajeita-se. Põe a ansiedade sob controle e sai. Cabeça erguida, salto alto, elegante! Olha enfrentando os próprios medos, não percebe a porta que se abre, o homem que sai e esbarra nele. Pede desculpas. Não ouve resposta, mas não dá importância. Precisa se concentrar. Segue pelo infinito corredor.

A secretária traz o paletó. Ele o veste. Sua irritação é visível.
A sala está cheia. Todos esperam pela apresentação do novo diretor financeiro. Ninguém imagina quem é. O medo provoca os boatos mais estapafúrdios. O certo é que todos estão nervosos. Haverá cortes drásticos. O homem imagina que depois de um dia como aquele, tudo pode acontecer. Enquanto alguns suavizam a expectativa, ele a detesta!

Ela entra na sala. Cabeça erguida, salto alto, uma bela écharpe com franjas. Elegante! É apresentada como a nova diretora financeira. Segura de si, começa seu discurso de apresentação falando sobre seus tropeços do dia e simpaticamente diz acreditar ser sinal de boa sorte.
Um largo sorriso acompanha a sua apresentação. Gestos contidos, estudados vão despertando em todos confiança. A tensão diminui.
Um pequeno coquetel é servido. Todos cumprimentam a nova diretora. O homem fica por último. Ela , sem dúvida, fora o motivo de parte dos seus aborrecimentos do dia. E agora ele sabe: do mês e da semana também. Aproxima-se, estende a mão. Ela para por segundos. Está visivelmente constrangida quando segura a mão dele. Sorri.
- Reconheci seu botão. Desculpe-me...
Ele a interrompe.
- Não foi nada! Acontece.
- Vamos trabalhar juntos, né? Soube que você é o homem da criação.
Ele se sente um idiota diante de tanta simpatia.
-Vamos sim.
Sorri tentando quebrar a péssima impressão que só ele sabe que deixou.
-Acho que vamos nos dar muito bem.
- Espero que sim.
Brindam juntos a um novo começo sem atropelos.
De longe, sem ser notado o Destino sorri. Havia conseguido juntar os dois.

sábado, 19 de junho de 2010

Abandono





Ela é adolescente.
Os pais ausentes
A casa belíssima!
Ela, abandonada.

Roupas sujas, maltratadas.
Cabelos oleosos.
Ela, abandonada!

Colégio particular,
Carros na porta
Dinheiro..
Tristeza de sobra
Ela? Abandonada!

Com o quê sonha essa menina?
- Com abraço de mãe.
- Com beijo de pai!
- Com almoço em família...

A tristeza
Despeja no papel.
Escreve.
Com palavras rimadas
Esquece todo o sofrimento
Passa a ter mil faces, a menina.
Todas, abandonadas!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Tecendo.

Esqueço
Não esqueço...
Esqueço.
Não!
Esqueço?
Teço
Enquanto não ou sim,
A pergunta tece o poema
O poema tece a vida.
A vida vira poesia.

Tecido





Palavras pontos vírgulas
Tapete recortado
De linhas bordado
No tecido poesia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Descompasso


Bate coração
Engana
Encanta
Desengana
A razão.

Bate coração
Anda
Desanda
Comanda
A razão.

Bate coração
Bobo
Bola
Bam!
Fecha a porta
Pra razão.

NINHO




Azul
Verde.
Negras montanhas noturnas
Contornos sensualmente poéticos
Acolhedoramente belos.
Ar puro
Cachoeiras
Vista límpida
Gente tímida
Acabrunhada
Tristonha...desconfiada.
Gente!
Minha identidade
Minha história
Meu lugar.
Ímpar
Incomum
Belo como só ele pode ser:
Teresópolis,
Terê

domingo, 6 de junho de 2010

Mentira.




Apagou o número do telefone dele. Excluiu-o do orkut, do msn, da lista de e-mail.
Respirou fundo.
Caminhou sem olhar para trás. A vida estava apenas começando. O passado deixava de existir, o presente era ótimo, o futuro..."Pra que pensar no futuro se ele é uma incógnita?"
Comprou roupas novas, mudou o corte de cabelo...
Respirou fundo.
Havia tanto por fazer, tanto por experimentar.
Viveria agora só no presente! Dádiva absoluta!
Não se lembrava de nada: do telefone, do msn,do e-mail.
Esqueceu-se do amor,da saudade, do desejo, da paixão, do arrepio, do toque...
Presente. Dádiva absoluta! Sinônimo de felicidade! Recomeço!

O cabelo tornou a crescer, as roupas ficaram velhas e todos os dias ela respira fundo e se lembra de esquecer.

Palavras




A palavra na mente,
a palavra no peito,
A palavra que não chega à tela
que não chega ao papel.

A vivência,
a solidão.
A convivência
o abandono.
A alegria,
a tristeza.

O desejo,
o desdém.
O contido,
o exposto.
O sonho,
a realidade.

Palavras...
ditas
bem ditas
não ditas
mal ditas
Palavras...
Quantas há dentro de mim?
De quantas preciso para traduzir
o que somente eu sei,
o que somente eu vi,
o que só eu falei,
o que só eu ouvi?

Palavras-muro, delimitam
palavras-vento, passam
palavras-sonho, acordam
palavras-fogo, apagam
palavras-gelo, derretem...

Somente tu, palavra-verdade, permanece.

Neblina




nuvem-gelo-seco
véu branco sobre minha noite
alvejando o olhar.

Esconde rostos
Esconde desejos,
Esconde sorrisos,
choros,
prantos..
clareia meu olhar

nuvem-gelo-seco,
encobre o dia-a-dia,
deixa somente a poesia
deixa somente o luar.

nuvem-gelo-seco,
encobre este poeta
de rimas pobres,sem graça
deixa somente a beleza
da vida que rapidamente passa.

nuvem-gelo-seco,
embaça o olhos taciturnos
cristaliza a lágrima que escorre
emoldura o sorriso que surge
neste rosto meu
revela o segredo guardado
abre este peito calado
penetra por todos os lados
clareia esta noite enfim!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

I Soneto

Amor meu, impossível amor
Tão querido quanto evitado
Conseqüência do delírio
De um coração perturbado.

Tatuagem profunda na alma
Lembrança marcada no ser
Histeria em momentos de calma
Razão pondo tudo a perder.

Sinais que são disfarçados
Desejos que são engolidos
Temores no peito trancados.

Felicidade parecendo castigo
Se posso, escondo o querer
Se quero, considero perdido.

Loucura



Ouço meus passos...
Afastam-se de mim.
Corro para alcançá-los
Antes que alcancem a ti.