A sexta-feira é santa! Levanta-se às seis. A casa está em silêncio. Apóia-se na velha bengala, caminha até outro quarto e bate com o cajado na porta.
- Ta na hora!
Quem abre é o filho. Em seguida, a nora sai do quarto sem dizer palavra.
Seus noventa anos lhe dão direitos que ela cultiva desde sempre. Não se abala com o mau humor da outra.
A água para o banho aquecida no fogão a lenha como deve ser! A bacia de cobre é colocada no chão do banheiro e salpicada com pétalas de rosa branca. Experimenta. Reclama. Torna a experimentar.
O céu de abril é claro, sem nuvens. Nas plantas do quintal, uma fina neblina se dissipa e revela o orvalho dormindo sobre as folhas. Uma manta de crochê cobre a velha cadeira de balanço, violetas várias enfeitam a jardineira da imensa varanda. O piso de vermelhão brilha.
Toma seu banho, veste-se de linho azul, cuidadosamente passado. Reparte os cabelos em duas tranças presas num coque. Aprova a imagem no espelho e sai.
Uma farta mesa de café da manhã está posta: canjica, bolo, café preto, aipim, batata doce, milho cozido. Certifica-se de que tudo esta a seu gosto, troca os pratos de lugar.
O barulho que vem de fora anuncia que eles estão chegando. Apressa-se. Precisa recebê-los sentada em sua cadeira. Um a um.
- Sua bênção.
A mão estendida espera um beijo e uma reverência.
- Deus te faça feliz!
Eles são muitos, um séquito! Filhos, netos, bisnetos e afilhados. Ela, a Senhora.
Em torno da mesa a oração em voz miúda, porque não é dia de festa.
Olha para a nora. Os pratos não estão no lugar! Recebe de volta o mesmo olhar implacável.
A canjica é servida com amendoim torrado em casa, no fogão a lenha, como a Senhora gosta! Ela mesma fora à cidade escolhê-los para a ocasião. Escolhera também a canjica! Era preciso ciência pra isso. Apesar do cansaço da idade, se não fosse por ela...
Todos discretamente olham para a nora que retribui o olhar com uma altivez inexplicável.
O café termina, vão embora, mas voltam para o almoço de Páscoa, quando seguindo a tradição comerão um peru... do quintal, é claro!
A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta!
A nora prepara a comida para perus e galinhas: amendoim e canjica de primeira comprada pela sogra.
A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta!
A nora termina de enterrar o peru caipira e o substitui por um de supermercado que é mergulhado no incomparável tempero de sua sogra.
As duas na varanda sem dizer palavra...
Quase absolutas.
Farinhas do mesmo saco!
Aqui você assina seu nome como uma contista de promeira ordem.
ResponderExcluirAmei!
Quantas imagens! Incontestavelmente sólido em minha imaginação. Parabéns!
ResponderExcluirAndo sem tempo. Mas sempre quando posso dou uma passadinha no teu blog.
ResponderExcluirBom findi
Encantador seu conto...me senti vendo cada um dos detalhes... inclusive os olhares de sogra e nora...
ResponderExcluirBoa semana amiga...beijos...
Valéria
Mais do que descrever, as palavras criam uma atmosfera...
ResponderExcluirAbraços!
"Qjuase absolutas".Isto é ótimo! Adorei. bj
ResponderExcluir....conviver-deixar viver e evoluir...né nao??
ResponderExcluirbeijo
Que beleza amiga,adorei este conto,uma melve lembrança de minha infancia, o piso de vermelhão,pude ate ver a cera Parquetina,rsrs.
ResponderExcluirUm show de exposição da tradição e novos costumes que atropelam as tradiçoes.
Parabens Valeria,belo exercicio.
Um carinhoso abraço.